Contudo o verbo é apenas o objecto que pica e faz prender a atenção, pois a ele se segue toda uma sequência de tiques e acções e estereótipos confirmados. É o lugar do avião que não é intelegível. É avó que se senta a custo no minúsculo espaço do avião para segundos mais tarde ter de se levantar para deixar passar a nora, e voltar a sentar-se para segundos mais tarde se levantar para deixar o filho passar e voltar a sentar-se para segundos mais tarde se levantar para deixar passar a nora que vai trocar com a filha porque o filho não a deixa em paz para se voltar a sentar. É o pai que passado três minutos de se sentar em definitivo se lembra que deixou a revista desportiva no saco e se levanta para o ir buscar e é interrompido pela hospedeira de bordo porque o avião vai levantar vôo. São os diálogos mantidos, à distância de três filas, entre pais e filhos. São os olhares sequiosos para o carrinho da comida e da bebida e os comentários sempre elevados à qualidade das mesmas. São os açambarcamentos a tudo o que é miniatura e se pode levar no bolso ...
E é a filha que se pendura no banco da frente para se poder levantar e gritar à mãe "Tens lenços?"
E é a viagem que decorre com idas frequentes à casa de banho e cadeiras a baixar e a levantar e gritinhos histéricos sempre que o avião sacode ou inclina!
O preparativo da aterragem passa sempre pelo Pai a pedir à última da hora mais uma cerveja mini e o atafulhar dos jornais e revistas e prendas compradas ao triplo do preço no duty free do avião (para que o resto da populaça visse aquele Pai de familia usar o seu cartão Visa-só-pago-pro-ano-junto-com-o-empréstimo-do-carro-e-da-casa-e-do-portátil-do-míudo) na bolsa da cadeira da frente.
Quando finalmente o avião aterra, as espontâneas e pegajosas palmas de satisfação, não se sabe muito bem porquê mas que julgo serem ainda um reflexo espasmódico de quem nunca saíu das berças e simplesmente está feliz que o avião não se tenha incendiado depois de chocar com o depósito da Petrogal. Ainda o avião não parou já estão a arrancar os cintos de segurança e a tirar todas as malas e malinhas e sacolas e térmos e garrafões de vinho e cestinhas em verga para fora, para que possam esperar longos minutos de pé e acotovelarem-se uns aos outros.
Correm literalmente para os carrinhos das malas e fazem fila na saída da fita por onde as malas desfilam e esperam como esfomeados na fila para o pão. Arrebanham aos poucos as malas e maletas, com o puto ranhoso a perguntar a cada mala que passa se "aquela é?". Finalmente empilham tudo sem nunca deixarem de esbarrar com outros e lá saem porta fora.
Fim? nem por isso: à saída ainda é preciso circundá-los (quando a vontade era circuncidá-los sem anestesia) porque resolvem parar a meio da passagem para cumprimentar freneticamente os familiares que não viam há dez dias. E são sempre muitos, com crianças de colo e crianças corredoras daquelas que gritam e destroem partes do aeroporto.
E nesta fase ainda não pus os pés em Portugal e já me apetece fugir! Mas fugir para onde?
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